Apite com Moderação

No fim do ano passado, fui assistir a Palmeiras x São Paulo no Allianz Parque, num desses camarotes corporativos.

Antes da bola rolar, enquanto provava os comes e bebes servidos no local, ouvia comentários sobre as novas arenas brasileiras, de como haviam se aproximado do padrão europeu. Falando do jogo, porém, o futebol que se pratica no velho continente era motivo de inveja coletiva.

A arbitragem local também não escapou de críticas, em especial porque no Brasil os juízes param muito a partida, enquanto nas principais ligas europeias a maior tolerância ao contato físico resulta num jogo mais fluido, com menos simulações e reclamações. 

Com a bola rolando, o Verdão não decepcionou, nem o árbitro: deixou o jogo correr.

A torcida (ou boa parte dela) não gostou muito dessa segunda parte: rendia suas “homenagens” ao apitador toda vez que um jogador do time da casa caía e ele não anotava a falta. Sem perceber, essa parte da torcida jogava contra o próprio time, afinal, se em algum lance específico a marcação de falta pode ser vantajosa, no geral o juiz que não “apita tudo” tira de um adversário dominado – como foi o São Paulo naquele dia – a opção estratégica de truncar o jogo por meio de sucessivas faltas leves no meio do campo.

Me chamou especialmente a atenção um torcedor sentado na fileira de trás, que foi ficando tão irritado com supostas faltas não marcadas que no final já estava criticando até quando o jogador caído era do adversário. E olha que o nosso time vencia por três a zero.

Atitude semelhante adotam aqueles que defendem, genericamente, a mínima atuação do Estado, mas não hesitam em pedir a tutela estatal quando interesses que lhes são caros estão em jogo.    

Exemplo claro é a chamada “pauta de costumes”. A Lei do Divórcio, a Emenda do Divórcio Direto e a evolução jurisprudencial sobre a união estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo foram bastante combatidas por setores conservadores – e isso era esperado. O estranho é o alinhamento desses setores com o liberalismo econômico radical.

A incoerência desse alinhamento fica evidente quando se analisa o impacto dessas decisões legislativas e judiciais na redução de litígio e, por conseguinte, na destinação de recursos do Estado. Todas essas medidas vieram para tratar de condutas preexistentes, que, à falta de opção legalmente aceita, ocorriam de maneira informal e redundavam em processos judicias para resolver as questões decorrentes, sejam de natureza previdenciária, sucessória, ou de partilha de bens havidos pelo esforço comum.

O custo era triplo: não só o da prestação jurisdicional propriamente dita, mas também o da insegurança jurídica e o do aumento da quantidade de processos no já congestionado Judiciário, o que no fim das contas acaba por impactar o chamado “custo Brasil”.

Naturalmente, haverá momentos em que a torcida terá razão em reclamar de alguma falta não marcada, e se o árbitro nada apitar o jogo descamba para a violência. Às vezes o Estado precisa litigar com certos particulares para evitar um litígio generalizado na sociedade.

Mas o ponto de reflexão aqui é que quanto mais a sociedade exigir a tutela das condutas, que é apenas uma das muitas atuações estatais, mais o Estado precisará de recursos, que são escassos. Por isso, é preciso escolher bem a hora de soar o apito e a hora de deixar rolar. Ser intolerante custa caro.

 


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