Carta ao Papai Noel
Caro Noel,
Escrevo-te pela primeira vez.
Ainda não era perfeitamente alfabetizado quando vi o sonhado brinquedo no
porta-malas do carro da família e concluí que não existias, que eram os meus
pais quem comprava o presente.
Perdoa meu equívoco. Desconhecia,
então, os cânones da novilógica, mais especificamente o postulado dezessete,
segundo o qual
17. Aquele ou aquilo cuja inexistência
não puder ser cabalmente demonstrada, existe.
Hoje entendo que não havia
elementos suficientes para uma conclusão tão radical. Afinal, não sei como o
brinquedo foi parar lá, como foi embrulhado e como apareceu sob a árvore
naquela noite feliz. Aliás, quem pode assegurar que o “Castelo de Greyskull” por
mim avistado na hora de descer as malas era o mesmo que eu viria desembrulhar
horas mais tarde, sem ter acompanhado, ininterruptamente, a respectiva cadeia
de custódia?
Vai ver meus pais quiseram se
precaver, para o caso de eu não ter sido um bom menino. Vai ver terceirizastes tua
logística. Vai ver tive uma ilusão provocada pelas mensagens subversivas e
subliminares plantadas no meu subconsciente pela Tia Dóris, minha professora no
Pré.
O que eu sei, Noel, é que quando
me pus em condições de escrever-te uma carta decente, já não cria em ti. Quanta
coisa deixei de te pedir, e ganhei mesmo assim. Grande Noel!
E os meus pais, aqueles dois
malandros, ficando com o crédito, veja só.
Mas agora Noel, sirvo-me da
presente para pedir um presente que somente tu podes me dar. Eu quero um ano
velho.
Não estou falando de voltar no
tempo não, morro de medo do efeito borboleta.
Eu só quero um ano novo normal,
isto é: velho.
Poder sair por aí despreocupado,
abraçar e beijar quem a gente ama, quem a gente gosta e quem a gente
educadamente tolera. Falar em coisas boas sem soar ridículo, em coisas certas
sem soar ingênuo, em coisas verdadeiras sem parecer um tolo. Fazer planos para
um futuro que realmente exista e olhar para um passado que realmente existiu.
Peço demais, bom velhinho? É
demais pedir que as pessoas guardem seu ódio para si, senão por decência, por
vergonha? É demais pedir que a estupidez volte para o rol dos defeitos, e a sensatez
para o das virtudes?
Quebra o meu galho Noel, vamos
lá! Quero ficar velho num tempo velho e num mundo velho onde o Polo Norte ainda
exista, e você, não.
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