A entrevista

O candidato aproximou-se da grande mesa e lhe indicaram onde deveria sentar; bem acomodado, se pôs à disposição dos membros do Conselho de Administração.

Um jovem executivo ajeitou os óculos e encarregou-se das perguntas:

- Vejo que o Sr. trabalha em vendas por quase 30 anos. Quantos contratos o Sr. fechou nesse período?

- Deixa eu fazer as contas aqui... foram dois, sim fechei dois contratos.

- Só dois?

- Sabe como é... eu era discriminado por minhas posições... além disso, mais importante que fechar negócio é atrapalhar as vendas dos concorrentes hehehe.

- E como o Sr. costuma formar a sua equipe de vendas? Qual a divisão de tarefas, o que cada um faz?

- Eu só escolho gente qualificada: amigos, parentes, parentes dos amigos e amigos dos parentes. E o que eles fazem já não é problema meu, pergunta lá para o meu assistente.

- O Sr. sabe que, caso venha a ser escolhido CEO, deverá formar uma nova Diretoria. Já tem em mente o perfil ideal dos diretores?

- Tem que ser gente com conhecimento né? Nada de panelinha. Por isso vou nomear vigilantes para o máximo de diretorias que puder. Eu fui vigilante antes de ir para vendas e tenho convicção que o setor de segurança é o mais importante da Companhia.

- Mas como o Sr. pretende avaliar o conhecimento dos futuros diretores?

- Twitter. Se o cara é engajado, me segue, veste a camisa da empresa e xinga a concorrência, é porque tem conhecimento.

- Imagino que o Sr. esteja ciente de que estamos enfrentando uma grave crise econômica, e por isso temos uma preocupação especial com as questões financeiras da Companhia.

- Quer saber? Eu não entendo nada de finanças. Mas conheço um cara.

- Na sua opinião, além da questão financeira, qual será o maior desafio da Companhia nos próximos anos?

- Precisamos nos proteger da competição estrangeira, esses produtos que vêm da China aí, Venezuela, Cuba... Cuba é um perigo danado.

- Ahn... o Sr. tem algum plano estratégico? O que fazer para vencer esses desafios?

- Antes de pensar no que eu vou fazer, eu vou desfazer. A Companhia tem tudo para dar certo, mas precisamos nos livrar de todo mundo que foi contratado pela Diretoria anterior, acabar com essas frescuras de responsabilidade social, ambiental, politicamente correto. Tem que produzir e poluir, faturar e sonegar, ninguém vence na vida sendo bonzinho.

- Uma última pergunta: por que o Sr. acha que deve ser o nosso novo CEO?

 - Eu.... eu... desculpe a emoção, mas...  depois que me inscrevi para esta vaga, sofri uma tentativa de assalto, fui atingido na barriga, quase morri! Acho que se estou vivo, se estou aqui agora, é porque Deus me quer nessa posição.

Os conselheiros se entreolharam. O candidato nunca havia exercido nem uma Gerência, era um coordenador de vendas ignorante e fracassado, mas suas palavras eram sedutoras: produzir e poluir, faturar e sonegar... o que poderia dar errado?

- Está contratado!

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