Memória de 1986
Fiquei maravilhado quando vi aquelas coisinhas coloridas no fundo da cartela de Yakult. Eram bandeiras, as bandeiras dos países que disputariam a Copa do Mundo. Por razões óbvias, de 82 não me lembro, então a Copa do México foi a primeira que acompanhei, e foi a partir dali que passei a realmente me interessar por futebol. Antes disso, ficava perturbando meu pai enquanto ele tentava ver futebol na TV.
- Pai, pode pôr no desenho?
- Não.
Meus pais me deram uma versão
da Amarelinha, e eu tinha uma bola da mesma cor, cortesia dos filmes “CURT”,
que ficava jogando na parede da sala para pegar de volta, simulando ser um
goleiro. A parede e o teto da sala eram decorados com marcas de bola.
Acompanhar a Copa foi
sensacional. As cores das camisas, jogadores comemorando, os lances de Maradona
sendo repetidos exaustivamente na televisão.
Na estreia, o Brasil jogou de
camisas amarelas e calções brancos. Achei feio, mas mamãe explicou que a
Espanha já estava usando calções azuis. Um solitário gol do Sócrates garantiu a
nossa vitória.
Enquanto rolava a Copa (e
depois) eu ia me virando para jogar futebol na sala do apartamento. A falta de
adversário nunca foi um problema, mas depois que derrubei o vaso de violetas
mamãe cassou a minha bola. Passei a usar um daqueles blocos de espuma, do tempo
de bebê, e a maldição da bola quadrada me acompanharia pelo resto da vida.
Depois que peguei um estrepe no pé, comecei a jogar de pantufas. O cortinão da
sala estufava como as redes do meu estádio imaginário. Eu fazia até
campeonatos, e ganhava todos.
De volta à Copa, Brasil e
França. Estranhei ao ver um jogador abraçar outro, caído no chão.
- Ué mãe, nem foi gol, por que
estão se abraçando?
- Porque foi pênalti!
Se soubessem que Zico não
marcaria, não teriam comemorado. Prorrogação, mais pênaltis. A bola que bateu
nas costas do Carlos, a bola na trave de Júlio Cesar. Fim da linha para o
Brasil. Não me lembro de ter ficado triste, e meu interesse pelo esporte só aumentaria.
Naquele mesmo ano, meu pai e
meu tio me levaram ao Morumbi, para ver Palmeiras e Corinthians. Os arredores
do estádio eram bem diferentes do que são hoje.
Assistimos ao jogo na Geral, bem atrás do gol. Os torcedores dos dois
times ficavam misturados, mas tive a impressão de haver mais palmeirenses.
Vínhamos de um 5 x 1 nos rivais, deliciosamente saboreados nos “gols do
Fantástico”.
Meu pai me mostrou o placar
eletrônico, achei legal. Palmeiras no ataque, gol! Bem na nossa frente. Fiquei
olhando fixamente para o placar, por mais de um minuto, talvez dois. Eu queria
ver o zero virar um, mas isso não aconteceu, o juiz marcou impedimento.
Ao nosso lado, um torcedor
corintiano ouvia em seu radinho que a arbitragem errara, não havia impedimento.
No segundo tempo, já no fim do
jogo, gol alvinegro. Bem na nossa frente. Impedimento claro, concordavam os
presentes. O torcedor do radinho confirmava, nem olhei para o placar. Por isso,
fiquei surpreso ao ver o escore de 1 a 0 para o Corinthians. O juiz havia
validado o lance, e perdi o momento que tanto queria ver, o zero virando um. À
noite, na TV, a reportagem confirmou os erros da arbitragem.
Ainda em 86, viajei de avião
pela primeira vez e, num hotel em Salvador, veria pela TV o Verdão perder a final
do Campeonato Paulista para o Internacional de Limeira. Mais um ano sem títulos,
mais frustrante do que ser eliminado da Copa. Naquele ano aprendi a gostar de
futebol, e com o futebol aprendi que não basta a gente querer, e às vezes nem
merecer, ganhar não depende só de nós e perder é do jogo.
Depois de fechar a década de
80 ouvindo que “nunca viu seu time ser campeão”, chegamos novamente à final do
Paulista. Com estrelas chegando, uma patrocinadora forte e até um novo
uniforme, o Palmeiras desafiava um dos melhores times do mundo naquele ano de 1992, o São Paulo de Telê Santana.
Não deu. Somente no ano
seguinte explodiria da garganta, enfim, o grito de campeão.
A geração de palmeirenses dos
anos 80 e arredores costuma se proclamar especialmente apaixonada, forjada nas
derrotas. Eu já acho que fomos forjados
na esperança, mas uma coisa não exclui a outra.
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