Sem egoísmo
A questão da fome no Brasil foi motivo para a criação de diversas campanhas de distribuição de alimentos, cuja validade para resolver o problema foi amplamente questionada.
Partindo da frase “dar o peixe ou
ensinar a pescar”, logo de início parece óbvio que “ensinar a pescar” é a
solução, já que deixa os homens independentes da caridade alheia. Seguir este
pensamento é muito melhor. Pois é cômodo.
Uma pessoa um pouco mais atenta
logo vê os empecilhos. O Brasil tem uma lista incontável de deficiências, que
afetam todos os setores da economia e da sociedade.
Restringindo nosso raciocínio do
peixe à educação: tem uma criança condição de estudar se muitas vezes ela tem
uma alimentação inferior à de um cachorro de apartamento? E depois, educar as
crianças não vai aumentar o mercado de trabalho. Essa história de ensinar a
pescar pode valer para um trabalhador rural, que saiba cultivar a terra e que
tenha acesso à mesma. Mas o que pode ser dito em relação aos miseráveis que
sobrevivem nas grandes cidades? O Rio Tietê parece ótimo para continuar a
metáfora...
Também não se pode achar que a
mera doação de alimentos resolve o problema, mas, roubando a frase de Chico
Buarque: não distribuir resolve? Num país tão rico, que se dá ao luxo de
desperdiçar milhões em alimentos e importa até bala de menta americana fabricada
no Equador (com parte da matéria-prima brasileira, por sinal), sem falar nas
grandes fortunas, é uma vergonha existir uma legião de famintos.
Portanto, se por acaso o Brasil
vier a ter um Governo com um bom projeto social (sério, sem imediatismos), uma
elite pensante que pense um pouco mais no que existe à sua volta e uma maior
prosperidade econômica, talvez não seja mais preciso ajudar os menos
favorecidos. Por ora, o melhor que podemos fazer é permitir que um dia os hoje
subnutridos possam vir a pescar seu peixe. Ou então podemos virar-lhes as
costas e deixar que seus cadáveres fertilizem as margens dos nossos “rios”.
São Paulo, 11 de março de 1997.
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