Memória de 1987
Naquele tempo, a alfabetização começava para valer na primeira série, equivalente à segunda série de hoje, mas, nesse ponto, fui precoce, e cheguei à primeira série já sabendo ler e até escrevendo algumas palavras.
Minha mãe me inscrevera em
algum tipo de clube do livro, por correspondência, então iam chegando livros
infantis em casa, e eu ia lendo.
Para ajudar, a sala da “1ª A” no
Colégio Dante Alighieri ficava bem em frente à biblioteca infantil, e tão logo
nos foi franqueado o acesso, comecei a usar. Ganhamos o tradicional cartão
verde, e aprendemos que havia nos livros uma fita colorida que indicava a série
apropriada: a de cor vermelha era dos livros da primeira série, azul para a
segunda, e assim por diante.
Era raro o dia em que não
passava pela biblioteca. Muitos livros eu lia no mesmo dia em que pegava, e no
dia seguinte já pegava outro, tive até que trocar de cartão por falta de espaço.
Já no finzinho do ano, surgiu um problema. Percorri as prateleiras e não tinha
livro com fita vermelha que ainda não houvesse lido.
A simpática bibliotecária me
disse que eu poderia pegar algum dos livros da segunda série, o que me foi de
todo surpreendente, afinal, eu levava as regras muito a sério.
E assim fomos indo, eu e os
livros, até a enciclopédia “Ciência Jovem” inventei de ler, por pura
diversão (ou falta de coisa melhor para fazer nas tardes modorrentas dentro do
apartamento).
Mas toda relação tem um
desgaste.
Foi chegando um momento em que
já não podia mais escolher, eu tinha que ler o que me mandavam. Uma chatice.
Fichamento? Não fazia. Resenha? Só se fosse obrigatório.
Enfrentei as letras miúdas com
a rebeldia e displicência de um boxeador que dá o queixo ao adversário e,
apanhando, acabei compreendendo, a meu modo, a célebre frase atribuída a
Sócrates: “só sei que nada sei”.
A inquietude e desconforto
causados pela descoberta diária da própria ignorância ganham sentido e razão de
ser quando se entende que o conhecimento não é uma construção individual, mas
coletiva. A cada resposta, novas perguntas, e que assim seja!
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