Ecos de uma eleição passada: o recado de Jânio Quadros
Em 1985, os brasileiros voltaram a eleger, depois de 20 anos, os prefeitos das capitais, naquela que foi a mais democrática eleição da nossa História até então.
A disputa na cidade de São
Paulo ganhou dimensão nacional e se afunilou entre dois nomes: Jânio Quadros e
Fernando Henrique Cardoso.
Jânio já havia sido prefeito e
governador, além de presidente da República. Filiado ao PTB, era o candidato da
direita, com o apoio explícito do PFL, bancado por Olavo Setúbal, e a simpatia silenciosa
do PDS de Maluf e Delfim Netto.
Não dá para dizer que Jânio
tenha sido o precursor das fake news nem
do populismo moralista, mas ninguém antes de si havia reunido tudo isso num
pacote tão eficiente, simbolizado pela vassoura com a qual iria “varrer a
bandalheira”.
Na Presidência, teve seu
mandato abreviado pela renúncia, que desencadeou a sucessão de fatos precedentes
à ditadura militar, encerrando o ciclo iniciado pelo Marechal Dutra e que ficou
conhecido como a “República Populista”.
Oscilando entre doido e herói,
gênio e bebum, Jânio ainda está para encontrar seu lugar na História, mas é
certo que foi um campeão no quesito medidas folclóricas, tal como o Decreto
Federal nº 5.182/1961, que proibia o uso de traje de banho nos concursos de
beleza. Para uns, reflexos de uma obsessão pelos temas da “decência e
moralidade”. Para outros, um gesto calculado para manter o apoio de
conservadores que não apreciavam suas medidas no campo da economia e da
política externa.
Depois de perder as duas eleições
que disputara após a renúncia, Jânio parecia se encaminhar para uma terceira
derrota naquele conturbado ano de 1985, mas, na reta final, foi para cima com
virulência.
Jornais clandestinos diziam
que Fernando Henrique distribuiria drogas nas escolas. No programa da
televisão, conclamou os eleitores a “salvar São Paulo das garras do marxismo,
do leninismo e do comunismo ateu”. No último comício, chamou o senador
peemedebista de “candidato da maconha”. Ao debate final, não foi, mas Boris
Casoy facilitou-lhe a vida com a célebre pergunta a Fernando Henrique sobre
crer em Deus.
Jânio, por apertada margem,
ganhou a eleição. E fez um governo abaixo da crítica, deixando “a Prefeitura em
ruínas”, como definiu a Folha de S. Paulo em editorial de 02 de janeiro de
1989. Ao fim do seu mandato, tinha 30% de avaliação “ótimo/bom”, 36% “regular’
e 32% de “ruim/péssimo” (Datafolha, 01/01/1989).
Não foi por falta de aviso.
Em artigo na mesma Folha, dois
dias antes da eleição, Paulo Francis tentava chamar o eleitor à razão:
“Jânio
Quadros está devendo a você os chamados 21 anos de ditadura. Você dirá que isso
é troco de velho, que você tem trinta anos e não está interessado em conversa
de 1961. Mas está. Você é, todos nós somos, produto desses 21 anos ... olha em
torno. Os miseráveis na rua, a corrupção entranhada, a desesperança, o vácuo
desses 21 anos. É a esse homem que vocês querem entregar a Prefeitura de São
Paulo? Sei. Ele é engraçado, com esse ar
de vítima ultrajada e decidido a dar uma de “Rambo” pela justiça, que toma todo
cuidado em nunca definir o que é... Hitler fazia o mesmo ato. Hitler, Jânio e
todos os demagogos bem sucedidos ... “.
De seu jazigo no Cemitério da Paz, manda um recado ao populista de turno: não explique seus atos, não há argumento racional que lhe socorra. Explore a Fé e o Amor, o desespero e a raiva. O medo. Pinte em seu adversário um inimigo, um monstro tão feio que fará os crimes que você comete parecerem meros deslizes, e seus erros, um mal menor. Sempre defenda “o bem”, porque o bem pode ser qualquer coisa, e quando lhe acusarem de corrupção, demonize os movimentos sociais; quando faltarem leitos nos hospitais, expulse os homossexuais do ballet. Você ainda terá seus 30%.
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