Ecos de uma eleição passada: o recado de Claudio Abramo
Em 1985, os brasileiros voltaram a eleger, depois de 20 anos, os prefeitos das capitais, naquela que foi a mais democrática eleição da nossa História até então.
A disputa na cidade de São
Paulo ganhou dimensão nacional e se afunilou entre dois nomes: o ex-presidente
Jânio Quadros e o então senador Fernando Henrique Cardoso.
Jânio largou na frente,
enquanto o PMDB não definia seu candidato - o partido tentou num primeiro
momento alguma solução jurídica que permitisse a reeleição de Mário Covas. Definido
o nome de Fernando Henrique, a corrida eleitoral engrenou e ele passou adiante.
Ao longo da campanha, o
senador do PMDB foi angariando o apoio do chamado arco progressista – PSB, PDT,
PCB e PC do B - mas não conseguiu convencer o PT.
Nada obstante o apelo a uma
postura “responsável” e que não ajudasse a eleger Jânio na reta final, o
partido insistiu até o fim na candidatura Suplicy, terceiro colocado.
Jânio, por sua vez, não
dividia os votos da direita com ninguém, e a disputa endureceu a ponto de várias
figuras mais à esquerda, inclusive ligados ao PT, começarem a defender o voto
útil em Fernando Henrique, para impedir a volta de Jânio a um cargo tão
importante quanto o de Prefeito de São Paulo, quarto orçamento do País na
época.
A três dias da eleição, uma frente
civil pluripartidária lançou seu manifesto na Praça da República e em anúncios
de jornais:
“Nós
que apoiamos a transição democrática, somos a maioria. Às urnas em torno do
candidato democrático que tenha hoje maiores possibilidades de vitória. Convocamos
os brasileiros de S. Paulo a, com seu voto, deterem o retrocesso político”.
O momento era grave, pois a
morte de Tancredo Neves, o passado de Sarney e as dificuldades políticas e
econômicas daqueles primeiros meses da Nova República eram razões suficientes
para temer-se um retrocesso. Nesse mesmo dia, Bresser Pereira escrevia na
Folha:
“Jânio
Quadros deverá obter quase um terço dos votos de São Paulo graças à aliança de
quatro forças: (1) o populismo irracional por ele próprio representado; (2) o
oportunismo sem ideologias do PTB; (3) o autoritarismo de direita representado
por Paulo Maluf, que tenta voltar ao poder; e (4) o oportunismo de direita,
representado pelo PFL paulista que, sabendo que os conservadores não têm
condições, sozinhos, de chegar ao poder pela via do voto, decide usar a
popularidade de Jânio Quadros...”
O articulista acertava nas
referências ao pleito de 1960, mas se equivocava ao profetizar a derrota do
ex-presidente, que, com mais de um terço dos votos, venceu a eleição,
numa época em que não havia segundo turno e que controvérsias jurídicas sobre a
divulgação de pesquisas pré-eleitorais dificultavam o movimento de voto útil. Faltaram
a Fernando Henrique alguns dos votos que ficaram com Suplicy – o petista
encerrou a disputa com uma boa votação, quase 20% do eleitorado.
A dois dias da eleição, na
mesma Folha de S. Paulo, Claudio Abramo não poupou críticas ao PT, alertando
para um erro histórico, que não foi exatamente manter a candidatura Suplicy,
mas fazê-la crescer centralizando os ataques e acusações em Fernando Henrique e
no governo Montoro, ao mesmo tempo em que se limitava a “arranhões superficiais
... no arco conservador que abriga o Sr. Jânio Quadros e nele próprio”.
Hoje sabemos que a vitória de
Jânio não impediu a consolidação da democracia no Brasil, e que a “ajuda” que
recebeu do PT pode ter sido um cálculo político: cavalgando os erros e
escândalos da gestão janista, Luiza Erundina, vice de Suplicy em 1985,
elegeu-se prefeita nas eleições municipais de 1988.
Impossível não traçar um
paralelo com a situação de Ciro Gomes. Agora é o PT que precisa dos poucos –
mas valiosos - votos que Ciro carrega nas pesquisas.
Ciro já foi apoiador e
ministro de Lula, e não concorreu contra ele em 2006. Em 2009, porém,
colocou-se na disputa para o ano seguinte, contrariando Lula, que queria concentrar
as forças que o apoiavam em torno de Dilma Rousseff, de seu próprio partido.
Numa entrevista em Pernambuco,
reduto do PSB que então abrigava Ciro, Lula expôs o seu desejo de uma
candidatura única – leia-se, de não se dividirem os votos da esquerda e da base
aliada – e cunhou o “nós contra eles”, frase que hoje se repete aos borbotões,
geralmente fora de contexto. Na turma do “eles”, estavam alguns daqueles mesmos
conservadores apontados no artigo de Bresser Pereira, que então apoiavam José
Serra, progressista que tinha o apoio de parte da direita por não ser “tão de
esquerda”. Um luxo, como disse o mesmo Lula recentemente.
Ciro capitulou naquela
ocasião, mas voltou a se candidatar à presidência em 2018, conquistando um
sólido terceiro lugar, mesma posição que ostenta atualmente nas pesquisas, com
menos votos, mas em quantidade suficiente para ser o fiel da balança no
primeiro turno.
A campanha por esses votos já
está nas ruas e nas redes, sob o razoável argumento de se reduzir o espaço para
alguma manobra marota do atual presidente. Marina Silva, por exemplo, já se
juntou a Lula contra “a ameaça das ameaças”, deixando em segundo plano alguma
mágoa pessoal que possa ter pelo que sofreu nas mãos do PT e seus marqueteiros
em 2014.
Normalmente, numa eleição com
dois turnos, não existe motivo para que um candidato desista em favor de outro
antes da primeira rodada de votações. Embora estes dias não tenham nada de normais,
é um argumento que Ciro sempre poderá usar.
O que não se entende (ou não
se aceita) é como Ciro, diante uma figura tão nefasta como Bolsonaro, concentre
seus ataques em Lula, culpando-o não apenas pelos erros dos governos petistas,
mas também pelos do governo de ocasião. Ou que o PT não reconheça quantas
outras vezes jogou esse mesmo jogo e não desautorize os militantes mais
emocionados, que parecem querer afastar um eleitorado que deveriam querer
atrair.
Então fica aqui o recado (e o questionamento) de Claudio Abramo para os candidatos ditos progressistas, extraído de forma (quase) literal daquela mesma coluna de 13 de novembro de 1985: errou-se muito nesta campanha, nestas campanhas, e antes. Errou-se tanto e, no arco progressista, isto é, no PDT e no PT, se insistiu tanto no erro que perguntamos, nós também, já igualmente perplexos: por quê?; e para quê? Procurando provar o quê?
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