Memória de 1990
Desde pequeno me perguntavam “o que vai ser quando crescer”?
No início, me atraíam as
profissões de porteiro – as centrais de interfone da época eram um charme – e
de frentista, cujos macacões remetiam aos ídolos da Fórmula 1. Depois piloto de
avião, engenheiro mecânico, diplomata... até que em algum momento da
adolescência me firmei no rumo do jornalismo, profissão que exerci por muito
pouco tempo, entre 2000 e 2001.
Olhando para trás, não sei se
escolhi ou fui escolhido, pois desde que, ainda na segunda série, escrevi a
história da “Eleição do João Patão”, e outras do tipo, virei o xodó das
professoras de Português.
Mas quem realmente plantou essa
semente na minha imaginação foi a Dona Leda, professora da quarta-série, que me
chamava de “escritor” e vivia deixando recadinhos amorosos nas minhas redações,
algumas das quais eu guardo até hoje.
Certo dia, já mais para o fim
do ano, ela nos passou a seguinte situação: “invente uma história de um jovem
que muito lutou para vencer na vida”. E saiu isso aqui, já com as correções da
professora:
Sem
Preconceito
Um triste dia amanhece no
Zimbábue, um Sol cálido e rutilante ilumina o solo árido por onde passa uma
caravana. Cinquenta milhões de pessoas, negros e brancos unidos, carregando o
caixão de Kaeem, o maior líder de todos os tempos.
Mil novecentos e oitenta e
cinco, nasce, no norte do Zimbábue, o negro Kaeem.
Cresceu na miséria, lutando
pela sobrevivência.
Aos dezesseis anos, toma a
decisão mais importante de sua vida; iniciar uma jornada até a Europa.
Parado por três egípcios,
disse:
- O que querem?
- Tudo o que tem.
- Por que assaltam?
- Para sobreviver.
Depois de conversarem um longo
tempo, os ladrões compreenderam que o que eles faziam trazia-lhes infelicidade.
E aderiram ao negro.
Rumaram a Israel, um país
preconceituoso e que sofre preconceitos. Chegando numa cidade israelita,
defrontaram-se com o prefeito e uns guardas.
- Prendam-no! Exclamou o
prefeito.
- Por que estou sendo preso?
Indagou Kaeem, intrigado.
- Porque é negro.
O egípcio Sabah interveio.
- Esperem aí, este homem
atravessou Zâmbia, Zaire, Sudão e Egito até chegar aqui e vocês o prendem
porque é negro?
Nisso, um guarda pegou Kaeem
pelo braço e pediu para que os egípcios o acompanhassem.
- Para onde estamos indo?
Indagou Sabah.
- Para o Líbano, respondeu o
guarda Albert.
Assim, vencendo preconceitos,
receberam a adesão de um libanês, dois sírios, um turco, um armênio, três
russos, um tcheco, um alemão, um francês e um espanhol, e chegaram a Lisboa,
Portugal.
Dezesseis pessoas nas ruas de
Lisboa chamaram a atenção de um homem: Dr. Valério Sabri, um político
influente, que queria criar um novo partido político.
- Vocês são um grupo? Indagou
o Dr. Valério.
- Quase isso. Respondeu Kaeem.
- Querem ser políticos?
- Talvez.
Assim, debatendo, chegaram à
casa de Dr. Sabri, que os convidou para entrar.
Aceitando o convite, Kaeem e
seu grupo entraram; horas expondo ideias até que chegaram a uma conclusão; no
dia seguinte eles, mais trinta portugueses, lançariam um partido.
Kaeem, aos quarenta e seis
anos, tornar-se-ia prefeito de Lisboa, mais tarde, senador e aos cinquenta e
seis anos um africano era o presidente de Portugal.
Em dois mil e quarenta e três
recebeu o Prêmio Nobel da Paz pela ajuda aos povos da África e ajudar a conter
rebeliões.
Aos sessenta anos tornou-se
presidente da Organização da Paz Mundial, até dois mil e sessenta e três,
quando morreu em Salisbury.
Lutou, venceu preconceitos e
hoje é adorado por muçulmanos, protestantes, judeus, católicos...
Tanto quanto você, querida
leitora e o querido leitor, estou me perguntando, por que o protagonista morreu
em Salisbury? Não me lembro.
Acho que essa é uma das razões
pelas quais escrevo algumas memórias. São dias e meses de um viver apressado,
cumprindo obrigações, para ter, eventualmente, um momento, uma epifania, uma
lembrança de alguém que, como a Professora Leda, fez a diferença na nossa vida.
Dá um medo de esquecer....
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