Frases de Rui (8): entre sábios iletrados e estúpidos graduados
Se o interesse da nação é a soma de todos os interesses individuais, não
pode haver justiça na exclusão de um só indivíduo, desde que ele se ache no
gozo pleno de suas faculdades
Durante o segundo reinado brasileiro o
tema “reforma eleitoral” foi constantemente debatido, sem maiores resultados
práticos.
Na edição de 31 de maio de 1869 do
“Radical Paulistano”, o então estudante de Direito, Ruy Barbosa, defendia o
voto direto e generalista, contra o sistema censitário e escalonado então
vigente:
“Os brasileiros já
sabem que não devem confiar o direito de eleger seus representantes a um
pequeno número de homens que, ou deixam-se arrastar pelas próprias paixões, ou
são corrompidos pelo ouro do governo e pelas teteias profusamente extraídas do
prostituído cofre das graças imperiais”.
E nem era um voto tão generalizado
assim...
“Se o sufrágio direto
e generalizado, como quer o clube dos radicais, não pode ser tomado no seu
sentido absoluto, por excluir as mulheres, os meninos, os condenados, deixando
assim de fora mais de metade dos brasileiros; como quer o centro liberal
reduzir ainda mais esse direito, afastando da urna todos aqueles que não
possuírem um capital correspondente à renda de vinte mil réis”?
Barbosa também se mostrava contrário a
restrições ao voto dos analfabetos, que constituíam a maioria da população:
“O mineiro matuto, o
tabaréu baiano, o caipira paulista, a classe rude de todas as províncias enfim,
embora não saiba ler, é dotada de bastante perspicácia, bom senso, e
desconfiança, para não se deixar enganar, desde que a liberdade do voto lhe for
garantida”.
Até porque a falta de instrução
decorria da própria omissão governamental em oferecê-la à população, o que o
fazia concluir o óbvio:
“Não é nossa intenção
insinuar que devemos adotar tal ou tal forma de governo para nos instruirmos;
mas protestar contra a crença geralmente espalhada de que o Brasil não pode ser
livre enquanto não for instruído.
Pelo contrário,
acreditamos que só da liberdade nos há de vir a instrução”.
Nessa toada, emendou mais uma de suas
frases lapidares.
“Se o interesse da
nação é a soma de todos os interesses individuais, não pode haver justiça na
exclusão de um só indivíduo, desde que ele se ache no gozo pleno de suas
faculdades”.
Uma reforma eleitoral viria anos mais
tarde, em 1881, pela Lei Saraiva, e coube ao já deputado Ruy Barbosa dar-lhe a
redação final.
Na política, às vezes o avanço desejado precisa
ceder ao avanço possível, e o estudante de ideias radicais certamente se
decepcionaria com a legislação que mantinha o critério censitário e incluía
“saber ler e escrever” como requisito para o alistamento eleitoral.
Mais de um século foi necessário para que os
analfabetos pudessem, finalmente, exercer a plena cidadania, nas eleições para
prefeitos das capitais em 1985.
Permanece, contudo, o preconceito contra os
eleitores de menor renda e escolaridade.
Um preconceito irracional, já que os pilares do
nosso atraso foram construídos justamente no período em que os mais pobres e
menos instruídos não participavam das decisões.
Agropecuaristas, industriais, advogados,
médicos, policiais, professores e integrantes de diversos outros grupos e
categorias não se envergonham de votar nos candidatos que melhor representam os
seus interesses.
E nem haveria razão para isso, afinal, sendo
legítimo o interesse, é igualmente legítima a sua defesa.
Porém, quando o cidadão de menor instrução e
renda vota nos candidatos que julga defenderem melhor os seus interesses, é frequentemente
tratado como vendido, manipulado, “massa de manobra” e daí para baixo.
Ora, que democracia é essa, em que existem
interesses de primeira e de segunda categoria? Ah, mas o interesse da nação ...
bem, mas qual é mesmo o interesse da nação?
É passada a hora da liberdade do voto vir
acompanhada da liberdade de sair das urnas de cabeça erguida, sem ser
discriminado por suas escolhas. E se o povo tiver que errar, que erre, pois já
está há um punhado de séculos pagando por erros que não foram seus.
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