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Resistência Analógica

Lá se vão vinte e dois anos desde que, junto com outros estudantes de Jornalismo, me debrucei sobre a questão do analógico e do digital. Era um trabalho para a disciplina de Teoria da Comunicação e o curto texto que produzimos não abordava o tema em seu mero aspecto formal ou tecnológico, mas se voltava à produção e compreensão de significados. A analogia – sim – não poderia ser mais óbvia, e fomos buscá-la no relógio. O relógio analógico é um sistema referencial. As horas são lidas dentro de um formato conhecido, estabelecido e limitado. Depois de se familiarizar com o seu funcionamento, basta bater o olho nos ponteiros para se saber que horas são, quanto tempo se passou ou falta passar para se encerrar o dia, podendo o mecanismo adotar os mais variados formatos, desde que sejam mantidas as suas mais básicas referências. Já o relógio digital simplesmente diz que horas são, o que, para quem tem em mente as referências de tempo, não faz lá tanta diferença, pois opera-se uma im...

Frases de Rui (14): o discurso e a prática; a força e o Direito

Os povos hão de ser governados pela força, ou pelo direito.   Será efusivamente aplaudido qualquer discurso em que se defenda que as ideias devem prevalecer sobre as paixões, que as instituições estão acima dos indivíduos que as ocupam e que nenhuma vontade pode ser mais forte do que a Lei. Quem ousar colocá-lo em prática, porém, pode se ver em sérios apuros. Rui Barbosa foi à tribuna do Senado, em 03 de julho de 1891, para defender que, por impulso do próprio Senado, se providenciassem as eleições para preencher a vaga, em especial, do senador Floriano Peixoto, recém-eleito vice-presidente da República. A constituição da época – tal qual a dos Estados Unidos da América - previa que a presidência do Senado cabia ao vice-presidente da República, de modo que a representação dos estados se mantivesse sempre equânime. Embora parecesse claro o impedimento para se acumularem as funções de vice-presidente e senador, a situação era nova e havia alguma divergência sobre como se ...

Frases de Rui (13): vítimas e vítimas

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  Um crime não se repara com outros.   Aos 15 de julho de 1889, um tiro disparado contra a carruagem do imperador D. Pedro II trouxe algum alvoroço ao já conturbado ambiente político da época. Ileso, o Imperador evitou fazer uso político do episódio, “foi apenas um tiro de louco”, teria dito. Todavia, não faltaram oportunistas tentando ligar o atirador – preso pouco depois - ao movimento republicano, mesmo sem qualquer evidência além do fato de que o rapaz, um imigrante português, parecia ser mesmo favorável à República. Quintino Bocaiúva correu às páginas d´O Paiz para escrever o óbvio: o maior prejudicado pelo atentado era – e seria ainda mais se o tiro fosse certeiro - o próprio movimento republicano. Os atentados políticos têm disso: a vítima mediata, muitas vezes, está do lado oposto ao da vítima imediata. Aconteceu com Carlos Lacerda, com Jair Bolsonaro, e talvez houvesse ocorrido com Pedro II, se a comoção fosse suficiente para tornar inevitável a iminen...

Frases de Rui (12): entre o tudo e o nada

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O que caracteriza a tirania é a negação do direito, como direito, na sua legalidade.   Promulgada a Lei Áurea, o movimento abolicionista se viu dividido entre a república e a monarquia. Por mais que se levantassem argumentos de Ciência Política, não era uma discussão verdadeiramente teórica, pois aos democratas era sabido que uma monarquia constitucional poderia levar ao mesmo objetivo almejado pela fórmula republicana. No fundo, tratava-se de confiar ou não que a princesa regente, Isabel, pudesse ser a futura rainha de uma monarquia constitucional, federativa e de inspiração liberal. Alguns, como Joaquim Nabuco, viram na abolição uma promessa de mudança de rumo, para uma monarquia democrática, e acreditavam que a mudança de posição dos antigos defensores da escravidão - que foram engrossar as fileiras republicanas -   demonstrasse isso. Por outro lado, Ruy Barbosa apontava que o Império, inclusive em períodos de regência isabelina, resistiu o quanto pôde à aboliçã...

Frases de Rui (11): estranhos liberais

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  A presunção de liberdade é a expressão de uma necessidade orgânica das relações do homem com o homem.   A Lei Áurea proveio de um processo que já se encontrava avançado e irreversível por ocasião de sua promulgação, há exatos 135 anos. Diversos escravizados vinham conseguindo a liberdade na Justiça, e os magistrados que proferiam tais sentenças estavam sendo acusados de ferir o direito de propriedade e contrariar a lei, mais especificamente a Lei nº 3.270 de 1885. Conhecida como “Lei dos Sexagenários”, tinha como objetivo “regular a extinção gradual do elemento servil” e revelava mal disfarçada preocupação em assegurar aos senhores de escravos o retorno do “investimento” que houveram feito em seus escravizados, até a última gota de suor – ou de sangue. O tráfico estava proibido desde a Lei de 07 de novembro de 1831, por isso buscava-se na Justiça a libertação daqueles que não descendessem dos escravizados até aquela data, daí a importância de se conhecer sua filiaç...

Frases de Rui (10): delação premiada

  Cada suspensão arbitrária da ordem constitucional prepara surpresas ainda mais temerosas contra a existência definitiva das instuições.   No início de 1887, o meio político brasileiro assistia a uma guerra de narrativas envolvendo incêndios criminosos em canaviais da cidade Campos dos Goytacazes. Os escravocratas, ainda no poder, acusavam o movimento abolicionista pelos crimes. Já os abolicionistas insinuavam que fazendeiros estariam incendiando as próprias lavouras para criminalizar e atrapalhar a causa da libertação dos escravos, que a cada dia se fortalecia e ganhava apoio dentro e fora do Brasil. Em comício da Confederação Abolicionista, aos 06 de fevereiro daquele ano, Rui Barbosa usou sua afiada retórica para colocar em dúvida a versão advogada pelo governo da época, e se valeu de seus incontestáveis conhecimentos jurídicos para apontar defeitos no processo supostamente destinado a encontrar e punir os culpados. “É abominável o crime. Mas a quem lesa ele? Não...

Frases de Rui (9): o poder de fato e a responsabilidade de direito

  A reivindicação do poder importa a reivindicação da responsabilidade   O artigo de Rui Barbosa publicado no Diário da Bahia em 21 de maio de 1873 era, ao mesmo tempo, uma provocação aos republicanos e ao Imperador. Dizia que a função do monarca constitucional não é nula, ou ridícula, como faziam crer os republicanos, mas também que as gestões de Pedro II para interferir nos partidos e na política enfraquecia a monarquia e colocava o País no caminho da república. Sobre a tentação do poder pessoal , do absolutismo disfarçado de monarquia representativa, enunciava:   “Em primeiro lugar a reivindicação do poder importa a reivindicação da responsabilidade: e, conquanto seja fácil escrever nas constituições a inviolabilidade do rei, por mais que declarem que o monarca é irresponsável e que toda a responsabilidade pertence ao gabinete, quando souber-se que o gabinete não faz nada e que o rei faz tudo, o país há de e deve atribuir os seus sofrimentos a quem exerce r...

Frases de Rui (8): entre sábios iletrados e estúpidos graduados

  Se o interesse da nação é a soma de todos os interesses individuais, não pode haver justiça na exclusão de um só indivíduo, desde que ele se ache no gozo pleno de suas faculdades Durante o segundo reinado brasileiro o tema “reforma eleitoral” foi constantemente debatido, sem maiores resultados práticos. Na edição de 31 de maio de 1869 do “Radical Paulistano”, o então estudante de Direito, Ruy Barbosa, defendia o voto direto e generalista, contra o sistema censitário e escalonado então vigente: “Os brasileiros já sabem que não devem confiar o direito de eleger seus representantes a um pequeno número de homens que, ou deixam-se arrastar pelas próprias paixões, ou são corrompidos pelo ouro do governo e pelas teteias profusamente extraídas do prostituído cofre das graças imperiais”. E nem era um voto tão generalizado assim... “Se o sufrágio direto e generalizado, como quer o clube dos radicais, não pode ser tomado no seu sentido absoluto, por excluir as mulheres, os menin...