O Pato Amarelo e a História
Conhecedores da realidade sabem que os patos só são amarelos – quando são amarelos – enquanto filhotes.
Na vida adulta, precisam assumir
suas cores definitivas e lutar contra um dilema contemporâneo, pois onde ainda
existem água e comida abundantes, seus predadores naturais estão à espreita;
onde reina sozinho o predador-mor, água e comida estão minguando. Algumas
espécies encaram longas e exaustivas jornadas migratórias pelos céus, de ida e
de volta, para inveja de seus semelhantes domésticos, cujo destino fatal é
inexorável.
Talvez por isso o pato-amarelismo tenha encontrado tantos adeptos por estas bandas.
A História do Brasil revela uma
sequência interminável de decisões ruins, e os responsáveis por elas raramente
arcam com as consequências. Na hora de pagar o pato, voltam para o ovo, ou voam
para longe, sem gastar sequer a força das próprias asas.
Depois de fazer fortuna
explorando o trabalho forçado do povo negro, os escravocratas deixaram atrás de
si, além da conta do atraso, uma dívida social que ainda está para ser paga. No
fim, ainda posaram de injustiçados.
Com as oligarquias agrárias e
industriais que se sucederam, não foi diferente. A conta do desmatamento e da
ocupação desordenada das grandes cidades foi sendo empurrada para as próximas
gerações.
A segunda metade do século XX viu nascer o império das grandes empreiteiras, que vendiam seus serviços aos governos e empresas
estatais num modelo de negócio que incluía corrupção e cartelização. Quando a
casa caiu, delações salvaram pescoços e demissões salvaram fortunas. O problema
é que, ao contrário dos delatados, os demitidos não tinham nada a ver com o
pato.
Quando chegou a sua vez, a
oligarquia financista mostrou que dá para lucrar com a crise, sem a crise,
causando a crise e impondo a solução da crise.
Tudo isso permeado pela emergência, entre cortes e quarteis, de uma nova espécie de nobreza, e vou ficar por aqui, pois exemplos não
faltam.
Com as honrosas exceções de
praxe (repita-se sempre), é um grupo que se comporta como filhotes, recém-chegados neste
mundo. Do passado, só herdam aquilo que lhes apraz. Nos momentos de bonança, advogam o próprio sucesso, mas na hora da crise
posam de injustiçados e rapidamente se esquecem das décadas de subsídio, de
reserva de mercado, de privilégios, benefícios, descontos e anistias. O
fracasso é sempre dos outros.
Esse comportamento birrento e
irresponsável de uma gente que exerce o poder econômico, mas não assume a
responsabilidade dele decorrente, acabou mimetizado por boa parte da
população, em especial entre a classe média, que, nas últimas eleições, achou
que era uma boa ideia fazer arminha com a mão e dar um tiro no pé, votando por
um retrocesso de cinquenta anos.
Agora, o que nos aguarda é uma
longa e exaustiva viagem de volta, e parte daqueles que nos trouxeram até aqui
já estão com o discurso pato-amarelista na ponta da língua, como se não
tivessem nada a ver com o peixe, ou melhor, com o pato.
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