Previsões para 2020

Corre o ano de 2020. Marcelo se levanta. No criado-mudo, um vidro de remédio com os dizeres “Dream on – durma huma hora, repouse dez” atrapalha o acesso ao rádio-relógio-abajur-despertador, que já começara a enunciar as coisas que Marcelo deve fazer neste dia.

Meia-hora depois, sai do banheiro com o resultado de um “check-up” completo, mostrando que está muito bem de saúde.

Veste-se com suas roupas de tecido antialérgico, antisujeira, antifogo, que não amassa nem mancha e tudo o mais. Regula a temperatura de seu cinto térmico e vai tomar o café da manhã.

A empregada preparou comidas deliciosas. Ela vem se saindo muito bem no emprego, precisa e rápida. Legítimo representante da tradicional fabricante tailandesa “Cibertec”, vem equipada com o mesmo chip MDO193 que fez muito sucesso na liga especial de futebol.

Come com prazer, pega o filho pela mão, dá um beijo na esposa e se dirige ao elevador.

Antes de sair da garagem, ainda dentro do carro, liga o dispositivo de esterilização e coloca suas lentes antirraios ultravioleta. O mesmo faz seu filho, que as retira de uma organizada pasta que leva para a escola. Ele ordena ao carro o destino e assim eles saem, sem poluir ou fazer barulho, pois o carro é, como os outros de seu tempo, elétrico.

Como não precisa dirigir, vai admirando a paisagem: ruas planas, limpas, arborizadas. As pessoas são saudáveis, sem problemas de alimentação ou medo da violência. E se parecem entre si, especialmente as crianças.

Chegam à escola, onde crianças brincam em modernos e seguros brinquedos eletrônicos, e adolescentes se reúnem em rodinhas, trocando CDs que contêm seus livros, lições de casa, músicas calmas e inteligentes, romances de partir o coração...

- Até logo, papai.

- Até logo, filho.

Despede-se do filho e segue para o trabalho, não sem antes cumprimentar alguns pais de alunos que, sorridentes, ficam à porta da escola conversando.

Chega ao escritório e se lembra de ligar para o André, amigo de infância que faz aniversário neste dia. Devido ao fuso-horário, ele deve estar para sair do trabalho.

Os dois conversam bastante e relembram o passado. Pelo videofone, Marcelo fita na mesa do outro aquele modelo conversível em miniatura que tanto admirava nos anos 90 e diz:

- Bons tempos aqueles.       

No meio do caminho, um satélite emite ondas de nostalgia...

 

São Paulo, 05 de maio de 1995

 

Na sessão “folha corrida”, pretendo publicar velhos textos, em geral redações feitas no Colégio, devidamente corrigidos e, excepcionalmente, editados. Para começar, esta história que se passa num futuro imaginário, curiosamente em 2020, com pueris previsões sobre a evolução tecnológica e sutil ironia sobre um mundo perfeitamente chato e disfarçadamente doente, que se revela na saudade dos amigos pelos velhos tempos. Alguém mais aí com saudades de 1995?

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