O alarmista e o alarmante
Há exatamente um ano, a Folha de S. Paulo publicava editorial, por conta do primeiro caso confirmado de coronavírus no Brasil, com o seguinte título: “Pandemia sem pânico”.
Destacando, entre outras coisas, a importância da prevenção e
o perigo da desinformação, concluía dizendo que “sobriedade e eficiência, não
alarmismo, são a resposta adequada para enfrentá-la”.
E não havia mesmo, naquele momento, motivo para pânico. Com
apenas um caso confirmado, suspeitos monitorados e todos ligados a pessoas que
estiveram no exterior, o clima em geral era de tranquilidade, com exceção de um
segmento: o autointitulado “mercado”.
Pois a manchete daquela mesma Folha naquele mesmo dia era
“Bolsa cai 7% com coronavírus; autoridades pedem bom senso”.
Com o mercado em pânico, teve investidor brasileiro que
correu vender para realizar lucros, depois recomprou as mesmas ações pela
metade do preço e começou a bater bumbo pela “volta da Economia”, o que quer
que isso queira dizer. Perder dinheiro? Só se for em algum Cassino mundo afora.
E o noticiário, que não tinha nada de alarmista, começou a se
tornar alarmante, pois assim eram os fatos que brotavam dessa coisa chata que
chamamos de realidade.
Sem a liderança da União, Estados começaram a impor medidas
restritivas por conta própria, e surgiu a falsa dicotomia entre vida e
Economia. Afinal, se Economia é vida, Tostines vende mais porque é fresquinho,
ou é fresquinho porque vende mais?
O cidadão se via refém de uma disputa política e os políticos
de uma disputa eleitoral. Médicos e cientistas de renome eram contrastados por
efêmeras sumidades e adeptos da novilógica.
Os donos do dinheiro se dividiram entre os alarmistas e os
alarmados. Estes últimos, resignados, entenderam que o inimigo é o vírus, e que
a retomada da atividade econômica depende do controle da pandemia.
Os alarmistas, como criança birrenta que não quer tomar
remédio, embarcaram na canoa furada do negacionismo, liderados por um capitão
covarde que não assume as consequências do que fala e faz, e ofereceram ao
vírus a única coisa da qual ele precisa para vencer esta guerra: nossos corpos
humanos e suscetíveis.
Pois alarmismo não é só exagerar no medo da doença, mas
também exagerar no medo de perder dinheiro, de perder aquela passagem comprada
com antecedência, de perder a próxima eleição.
Acreditou-se em todo tipo de teoria mirabolante e
recusaram-se lições básicas de saúde pública e solidariedade.
Seria possível que o mundo todo não visse as soluções tão
simples e óbvias postadas na mais respeitada revista científica, digo, no
Facebook?
Seria possível que o País que tem o Agro que é Pop, Rock,
Reggae e Baião deixaria o seu povo passar fome? Que o Estado que concede bilhões
em subsídios, renúncias e desonerações fiscais faltaria justamente aos mais
pobres? O “vai trabalhar vagabundo” virou “vai trabalhar vulnerável”.
O auxílio veio, mas o juízo ficou em 2018.
O resultado está estampado no editorial da mesmíssima Folha
de ontem, por ocasião do “aniversário” da pandemia no Brasil. O título, “Um ano
mortal”, e a conclusão, “Cometemos erros em todos os níveis de governo e como
cidadãos”, revelam que o noticiário continua alarmante, e não poderia ser
diferente diante de UTIs lotadas e falta de oxigênio.
Da arminha na mão ao tiro no pé, adoradores do Mito agora
choram novas medidas restritivas, muito mais duras do que aquelas que
trabalharam para evitar, em total desrespeito aos que choram a morte de um ente
querido.
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