Em Brasília, dezenove horas
No já distante 1º de setembro de 1994, Rubens Ricupero soltou, de maneira informal e inadvertida, a frase que o faria renunciar ao Ministério da Fazenda, captada por algumas antenas parabólicas Brasil afora:
“Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso
mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".
Embora tenha permanecido
poucos meses no cargo, Ricupero foi peça fundamental na implantação do Real, o
plano que deu certo.
Coube-lhe, entre outras
coisas, proteger a equipe econômica das pressões que vinham de outras áreas do
Governo, em especial do Presidente Itamar Franco, que insistia na necessidade
de congelamento de preços e outras medidas que fariam afundar a iniciativa.
Eu fico imaginando quantas horas o boquirroto Paulo Guedes duraria num Governo como aquele (ou em qualquer outro gabinete minimamente pudico).
Como sói acontecer com quase
toda a trupe hoje instalada no alto escalão do Governo, o atual Ministro da
Economia não faz a menor questão de esconder o que de pior existe na sociedade
brasileira.
Da presepada ministerial de 22
de abril do ano passado à mais recente reunião do Conselho de Saúde Complementar,
Guedes e seus colegas não perdem a oportunidade de mostrar ao presidente que
foram bem escolhidos, que escrúpulo é só uma palavra meio difícil de
pronunciar.
No ainda mais distante 16 de
outubro de 1993, quando se delineava a criação do que viria a ser a URV, o banqueiro Guedes, em entrevista n’O Globo, vaticinou o fracasso da ideia.
Entre outras coisas, afirmou:
“Quem for esperto pula para a moeda nova no
primeiro dia, e o povaréu vai ficar com a moeda velha, cada vez mais podre".
O povaréu, os que não são
espertos, no caso, são os pobres. Esse tipo de gente que insiste em nascer e
ter direitos, consumir tudo o que ganha e viver cada dia mais, para desespero de Guedes e sua turma.
Porque existe uma turma.
O título deste post foi tirado
de uma redação de colégio. A última redação, do último ano, o 1997 da emenda da reeleição, da crise asiática, da morte do Betinho. O ano em que cinco jovens acharam que podiam se divertir ateando fogo em um homem que dormia num ponto de ônibus, o índio Galdino, que eles julgaram ser "só" um mendigo.
O texto é o que segue:
Somos
todos irmãos. Quem ousa levantar a voz contra essa frase tão comumente
pronunciada, em todas as esferas da sociedade? Por essa última colocação, vê-se
que isso está muito longe de ser verdade.
Se
somos mesmo todos irmãos, somos irmãos desnaturados, adjetivo muito empregado
para falar sobre mães que abandonam os filhos, para que eles tenham alguma
chance na vida. Dividimo-nos de acordo com a nossa riqueza, e aos irmãos
eufemisticamente chamados “menos favorecidos”, é legado o abandono.
E
esses não são os pobres, já que os pobres ainda comem quase todo dia. Tampouco
são os sem-terra ou os negros, ou qualquer outro grupo reconhecidamente
oprimido. São os submiseráveis, os sem-RG, os homens cinza. Pessoas cujo custo
de vida é bem menor que o de um belo cãozinho de raça, mesmo tendo um bom-senso
maior que os dos nossos amigos caninos na hora de fazer suas necessidades,
escolhendo pontos das ruas menos utilizadas pelos transeuntes. Pessoas que não
nascem, são abortadas, sendo retiradas da confortável condição de feto, onde
ainda são iguais a qualquer outro, para passar a viver num estado tal que, depois disso, nem o Céu será compensador. Pessoas.
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