Corrupção no Brasil: enfim, a Constituição
A Carta Magna de 1988 costuma ser apontada como a sétima (ou oitava, dependendo do autor) constituição do Brasil, mas foi a única elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte verdadeiramente democrática, o que faz dela, sob certo ponto de vista, a primeira.
Isso porque apenas no ano de 1985
– um ano antes da eleição do Congresso constituinte – foi assegurado o direito
de voto aos analfabetos – que na época representavam cerca de um quarto dos
brasileiros adultos.
Suas antecessoras, ou foram impostas por governantes autoritários, ou resultaram de assembleias constituintes eleitas apenas por apenas uma fração da população, lembrando que antes de 1934 as mulheres não votavam e que o voto censitário existiu formalmente até 1891, mas a exclusão dos analfabetos, na prática, alijava os mais pobres do processo eleitoral.
E foi a “Constituição do Povão”
que lançou as bases para o enfrentamento de uma questão secular: a corrupção na
cúpula da Administração Pública.
Não que, antes dela, faltassem
acusações. Para ficar só nos expoentes da república populista, os jornais de
oposição a Getúlio chamavam seu governo de “mar de lama”, e Juscelino, ao fim
do mandato, saiu da Brasília recém construída para morar num luxuoso
apartamento em Ipanema que, para delírio de seus adversários, era de um amigo dele.
Mas a coisa ficava nisso, como já escrevi aqui.
Caberia uma investigação mais profunda para entender se os sucessivos escândalos de corrupção dos anos mais recentes são representativos de um aumento da própria corrupção, de maiores oportunidades para os corruptos, ou se decorrem da revelação de fatos e circunstâncias que, no passado, permaneciam escondidos ou ficavam no campo da suspeita, do disse-me-disse.
A evolução nos organismos de
fiscalização e controle da Administração, porém, é indiscutível, com o combate
e punição aos atos de corrupção chegando a autoridades e empresários antes
tidos por inatingíveis. Isso talvez não fosse possível sem o suporte da
Constituição Cidadã.
É bem verdade que muita pizza
saiu dos fornos das CPIs e do Judiciário já na vigência do atual texto
constitucional, mas seria tolice esperar grandes efeitos imediatos, logo após a
promulgação e nos primeiros anos seguintes, por variados motivos.
Parte das normas constitucionais
dependiam de lei específica para adquirir eficácia. O §4º do art. 37 da
Constituição, por exemplo, foi regulado rapidamente, em 1991, com a edição da
Lei de Improbidade Administrativa. Já o §3º foi emendado em 1998 e gerou frutos
tardios, mas igualmente importantes, como a Lei de Acesso à Informação, de 2011.
Outras representaram os alicerces
de uma nova arquitetura institucional, a ser construída e frequentemente
aprimorada, pois é o tipo de obra que nunca se dá por acabada.
As garantias conferidas aos
servidores públicos seriam apenas privilégios vazios sem os contrapesos da
independência e responsabilização, e o princípio da moralidade administrativa
deu ao Judiciário uma forma adicional de controle sobre atos dos demais poderes.
A Polícia Federal não seria que é
hoje se não perdesse o caráter de polícia política e adquirisse a feição de
polícia de Estado, recebendo as atribuições de polícia judiciária da União e
deixando de fazer a censura das diversões públicas.
O Ministério Público foi
possivelmente a instituição que mais se fortaleceu com a Constituição de 1988,
recebendo de alguns o apelido de “quarto poder”, tamanha a sua importância e
independência neste novo modelo institucional.
E apenas com a nossa
atual Constituição o Poder Judiciário tornou-se verdadeiramente independente,
pois até então seu orçamento estava vinculado ao do Poder Executivo, que desse
modo tinha nas mãos um instrumento de pressão, bajulação ou sufocamento, se
assim desejasse.
Diz a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, proclamada durante a Revolução Francesa, que a sociedade em
que não esteja estabelecida a separação de poderes não tem constituição, e aí
está mais um ponto de vista pelo qual a Carta de 1988 é a nossa primeira e
única constituição.
Nos anos que seguiram sua
proclamação, assistimos a dois impeachments, diversos casos impactantes de
corrupção foram revelados e tiveram consequências muito além das manchetes de
jornais. Isso foi resultado de inúmeros fatores, inclusive internacionais, mas
jamais devemos esquecer que tudo isso aconteceu sobre a pedra fundamental da
Constituição da República Federativa do Brasil.
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