Efeito filé de borboleta

No início de sua quarta passagem pelo comando do Santos, em 2009, Vanderlei Luxemburgo surpreendeu ao deixar a estrela ascendente Neymar no banco de reservas.

O motivo alegado pelo treinador foi a fragilidade física do atacante, então com 17 anos. “Filé de borboleta”, cravou.

Durante algum tempo, a franzinez e um certo instinto de preservação foram justificativas para os seus saltos e caretas, mas ao mesmo tempo em que foi se transformando em um dos principais jogadores do mundo, Neymar passou a ser visto como uma espécie de Dick Vigarista dos gramados, por sua mania de simular faltas ou exagerar na reação ao contato.

Muitos outros já tiveram fama de “cai-cai”.

O “cai-cai” de vez em quando consegue cavar uma falta, um cartão para o adversário, mas, assim como a personagem dos quadrinhos, ele costuma se dar mal. Irrita os adversários pela desonestidade e também a própria torcida, que vê na atitude uma espécie de preguiça, ausência de garra. Os árbitros têm profunda ojeriza pelo “cai-cai”. Mesmo quando a falta é real, às vezes deixam de marcar. O “cai-cai” não tem credibilidade.

Algo semelhante acontece com os brucutus. Felipe Melo, por exemplo, costuma levar cartão amarelo logo na primeira entrada mais dura, e sempre que sua atitude possa ser interpretada como agressão, é bem provável que de fato será interpretada como agressão  

Levando para o campo da política, que com o futebol divide o traço de ser influenciada pela paixão, exemplos não faltam. A fama de corrupto que acompanha boa parte dos políticos brasileiros faz com que qualquer indício seja tido, muitas vezes, como prova cabal de conduta criminosa. Por outro lado, a disseminação de “fake news” e os exageros retóricos acabam por obscurecer informações verdadeiras.

Essa poluição contamina debates importantes da nossa atualidade. Como fazer uma discussão racional sobre reforma tributária, por exemplo, quando alguém joga na mesa a afirmação de que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”, contrariando dados da Receita Federal, do Banco Mundial e da OCDE?   

Mas o fenômeno alcança ainda maior gravidade quando afeta a confiança na Justiça, pilar essencial de qualquer sociedade civilizada.

Por isso, foi péssima a repercussão da postagem da Procuradora da República Thaméa Danelon, que anunciou uma coluna no portal Terça Livre, veículo de notório desapreço pela verdade, liderado por jornalista investigado no inquérito das “fake news”.

O post foi apagado, mas o estrago está feito. Que a procuradora tem um posicionamento político bastante definido fica claro pelos veículos em que escreve e para os quais dá entrevistas.

Mas unir-se a um disseminador de notícias falsas e enganosas contamina não apenas a credibilidade da procuradora, mas do próprio Ministério Público Federal, independentemente do que viesse (ou vier) a publicar na sua coluna.

Na semana que começou com a notícia de que o Brasil caiu, mais uma vez, no ranking de combate à corrupção nas américas, é desalentador ver um membro do MPF, órgão que deve ser implacável com qualquer tipo de desonestidade, andar de braços dados com o Dick Vigarista.  

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