Grandes números, pequenas conclusões: comparando os exercícios
A Receita Federal divulgou no último mês de setembro os relatórios “Grandes Números DIRPF” referentes aos anos-calendário de 2019 e 2020.
Não houve grande repercussão na mídia, nem nos canais oficiais do Governo, talvez porque os relatórios realmente não tragam grandes novidades em relação ao que já se sabe por outras fontes.
A quantidade de declarantes segue subindo, como ocorre desde o último ano em que a tabela progressiva do IR foi corrigida (2015). Atualmente, 14,94% dos brasileiros declara imposto de renda, o que equivale a 27,015% da população economicamente ativa (PEA).
O recorte censitário adotado pela Receita, que distribui os declarantes por faixas de salários mínimos, implica na ressalva de que a distribuição dos declarantes entre as faixas varia não apenas conforme o rendimento auferido, mas também por influência dos reajustes no salário mínimo, que costumam, por sua vez, refletir a conjuntura econômica do exercício anterior ao declarado. Assim, é possível que uma pessoa experimente um aumento real em sua renda e mesmo assim “caia” de faixa. No mesmo sentido, quando um grupo numeroso de pessoas “cai” da faixa aqui escolhida para separar os declarantes de altíssima renda (40 salários mínimos/mês), aumenta o peso das rendas mais altas na faixa de cima, assim como aumenta a renda declarada na faixa de baixo.
Feita a ressalva, nota-se que o número de declarantes nessas faixas mais altas de renda aumentou em 2019, mas diminuiu em 2020, atingindo a quantidade mais baixa desde 2007, ano-calendário do primeiro relatório. Foram 653.796 pessoas, ou 0,31% da população. O ano de 2011 foi o que teve mais pessoas nessa faixa de renda: 843.277, ou 0,44% da população.
A renda média declarada, calculada segundo o método proposto aqui e ajustada pelo IPCA, aumentou 0,93% em 2019 e recuou 4,54% em 2020, maior queda da série histórica. Esse recuo não se verificou entre os declarantes de altíssima renda, cujo rendimento médio aumentou em 2019 (3,59%) e também em 2020 (1,49%).
Se no cenário geral o rendimento médio dos declarantes em 2020 foi o mais baixo desde 2009 (R$ 8.375,93), os contribuintes de altíssima renda auferiram, em 2019 e 2020, os mais elevados valores da série iniciada em 2007, atingindo o recorde, em 2020, de R$ 115.561,15. Na média geral, o valor mais alto foi o de 2014 (R$ 9.323,43).
Quando se parte da renda para a riqueza acumulada, o uso do patrimônio líquido declarado ao fisco também merece importantes ressalvas, mas é fato que, de acordo com os relatórios ora analisados, ele aumenta entre os mais ricos numa taxa mais elevada do que a média geral, uma vez que, entre 2007 e 2020, o património dos declarantes em geral quase triplicou (297,98%), mas nas faixas de cima ele cresceu ainda mais: 384,44%, ambos em valores correntes e bem acima da inflação no período, seja pelo IPCA (103,56%), seja pelo IGP-M (149,39%).
Verifica-se, por outro lado, que a proporção do patrimônio total declarado que está nas mãos dos contribuintes de altíssima renda vem diminuindo. Esse percentual, que já foi de 47,05% em 2011, agora está em 39,16%. Mas é apressado concluir que isso represente uma diminuição na desigualdade, pois, em 2011, 3,39% dos declarantes auferiram mais de 40 salários mínimos por mês de renda total, e em 2020 esse índice foi de 2,07%, de modo que, relacionando os dois números, vemos, isso sim, que de lá para cá a concentração de riqueza nesse segmento aumentou 33,94%.
No campo das deduções, observa-se, de 2019 para 2020, uma diminuição nas despesas lançadas em livro-caixa, o que parece ser reflexo do esfriamento da economia no ano passado.
Já as deduções com despesas médicas seguem aumentando, ultrapassando, em 2020, a casa dos 92 bilhões de Reais, numa média de R$ 2.911,44 por declarante. Mas esse valor varia bastante conforme a renda do contribuinte, e chega a R$ 17.633,67 por declarante na faixa de rendimentos totais acima de 320 salários mínimos por mês. Sim, essa faixa existe e compreende 28.007 pessoas.
O desembolso total dos contribuintes do imposto de renda com despesas médicas se aproximou da casa dos R$ 117 bilhões, enquanto no mesmo ano de 2020 a parte do orçamento do Ministério da Saúde que foi efetivamente gasta em saúde chegou a pouco mais de R$ 98 bilhões.
No conjunto, esses números levantam apenas algumas das muitas questões frequentemente abordadas por quem há tempos se dedica ao estudo do sistema tributário brasileiro e suas vicissitudes, como a Unafisco e o C.CiF, que disponibilizam à sociedade análises e propostas elaboradas com melhores métodos e muito mais conhecimento de causa.
Por aqui, o interesse principal é manter as informações amarradas à realidade e ao seu contexto, a fim de contrapor a desinformação gerada pela análise descuidada de dados, como ocorreu no ano passado com o “ranking das profissões”, que será novamente abordado neste blog em breve. Até lá!
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