Memória de 1985
- Pai, quantos anos você tem?
- Trinta e nove.
- Já está na hora de morrer?
Ele riu. Estava na cara que
aquela criança ainda tinha muito o que aprender, e não era para menos, pois
éramos recém apresentados, eu e a morte.
Nos desenhos animados as
personagens são atropeladas e esmagadas por bigornas, mas o máximo que lhes
acontece é ficarem achatadas, ou finas como uma folha de papel.
Mas aí morreu o Neves, um tal de “Tranquedo”. Lembro de ficarmos na janela da área de serviço para tentar ver
o cortejo passar rumo ao Aeroporto de Congonhas, ou talvez o embarque no avião. Muitas páginas na revista
Manchete e uma overdose de “Coração de Estudante” na televisão.
Algum tempo depois desse
diálogo, faleceu meu avô Lourenço. Foi o primeiro dos meus avós a falecer, e
dele vivo lembro apenas de ir pedir “bença” antes de dormir e de uma conversa
entre ele e o meu pai, sentados na sala da casa em Ourinhos. Negócio de
alqueire, sei lá. Convivemos muito pouco.
Naquele dia, indo para
Ourinhos na nossa Del Rey Scala, estalando de seminova, fomos ultrapassados na
estrada por um carro cheio de gente gritando.
- Que é isso mãe?
- Estão indo para a festa do
Vô Lourenço.
Não parece algo que ela tenha realmente dito, vai ver não ouvi direito. Vai ver eu sonhei, dormindo no carro. Tem sonho que não morre se a gente passa adiante. Junto com Tancredo foi enterrado o sonho de muita gente, mas o sonho de outros tantos, muitos mais, passou adiante.
Meu avô morreu em casa, e, da
porta do quarto, pudemos vê-lo. Foi também da porta do quarto que, ao ver minha
avó sentada na beira da cama, com as duas mãos no rosto, descobri que adultos
também choram.
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