O pato ataca novamente
O pato-amarelismo voltou a dar as caras nas últimas semanas.
Depois do choque inicial, cada
novidade na tramitação da chamada “PEC dos Precatórios” era recebida com alívio
no mercado financeiro, com direito a picos no Ibovespa mesmo diante de cenário
externo ruim e outras notícias nada alvissareiras.
“Dos males o menor” virou
lugar-comum nos comentários especializados.
Isso porque, dentre as várias soluções
que o Governo poderia encontrar para abrir o tal espaço fiscal, o recálculo do
teto de gastos foi visto como preferível à sua extinção ou desconsideração. E a
criação de um teto para pagamento de precatórios – valores devidos por força de
decisão judicial transitada em julgado – foi vista como preferível a ... a que
mesmo?
Chegaremos lá.
Ao estabelecer o teto dos
precatórios, a PEC resulta na postergação do pagamento de parte deles, ou seja,
um calote.
A regra geral diz que os
precatórios expedidos até 1º de julho devem ser pagos no ano seguinte e os
expedidos após essa data, no ano subsequente. De cara, a Constituição da
República trouxe uma disposição transitória que permitia o parcelamento dos
precatórios em oito anos, o que também ficou conhecido como uma espécie de calote.
Mas, vá lá, em 1988 o Brasil
estava quebrado de verdade, sem dinheiro para pagar sequer os juros da dívida
externa.
Em 2000, a Emenda Constitucional
nº 30 determinou um novo calote, digo, um novo parcelamento, dessa vez em dez
anos, mas teve seus efeitos suspensos pelo ministro Néri da Silveira, do STF, que
deferiu medida cautelar em ação direta proposta pela OAB, no início de 2002. A liminar
foi referendada pelo plenário em 2010 e o julgamento do mérito está pendente
até hoje.
No que diz respeito a Estados e
Municípios, outras emendas constitucionais (62/2009 e 109/2021) também foram
duramente criticadas por permitir algum tipo de calote nos precatórios.
É bem verdade que há os
precatórios alimentícios e há os de pequeno valor, assim como há precatórios
bilionários expedidos em favor de grandes empresas, e é princípio de justiça
que sejam tratados de forma diferente – como de fato são.
De todo modo, independentemente
da qualidade do credor, espera-se que o País honre suas dívidas, e quando isso
não acontece os danos são profundos, lembrando que a insegurança jurídica é um
dos mais relevantes componentes do famoso “custo Brasil”.
A crise de 2015 teve em seu
epicentro o risco fiscal e o receio de que o descontrole nas contas públicas
colocasse o Brasil em rota de “default”, ou seja, um calote.
Por aí se vê que o problema, na visão
do mercado financeiro, está menos em que dá o calote e mais em quem o sofre,
afinal, o pato arregala os olhos para uma remota ameaça de calote nos títulos
públicos, mas dá de asas quando o calote atinge, de forma concreta, os
precatórios.
Desmascarado, mira os
precatoristas e sorri de canto de bico, como quem diz: perdeu? Antes você do
que eu...
No fundo, a ave sabe muito bem
que há outras formas de equilibrar as contas públicas. As áreas técnicas de
todos os governos recentes, inclusive o atual, já apontaram a existência de grande
injustiça fiscal no Brasil, resultado de subsídios e omissões tributárias. Sem falar
num outro tipo de calote, que é a sonegação de impostos.
Mas aí o pato vira onça.
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