Frases de Rui (1): a ditadura do legislativo

        Se a ditadura é um mal, a ditadura de uma assembleia é um mal ainda mais grave.

 

Frequentemente, em especial nas épocas em que o Supremo Tribunal Federal afasta medidas tomadas pelo Executivo ou aprovadas pelo Legislativo, circula nas redes sociais e até em artigos jornalísticos uma frase atribuída a Rui Barbosa, que teria dito que “a pior ditadura que existe é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.

O problema é que não apenas inexiste registro de que a tenha proferido, como tal proposição contraria a própria ideia que Rui Barbosa tinha da Justiça e da organização dos poderes na República.

Para ele, a existência de um poder inerme e inerte, o Poder Judiciário, a quem se atribua a última palavra nos assuntos levados a seu conhecimento, é justamente o que garante que nenhum dos outros poderes instaure uma ditatura, o que pode ser conferido aqui.

Além disso, nunca houve na História da humanidade uma ditadura do Judiciário, o que existe nas ditaduras são judiciários fracos, servis ou ausentes, de modo que as vítimas de perseguição política de fato não tenham a quem recorrer.

Talvez fosse mais coerente com o pensamento do ilustre jurista baiano a ideia de que a pior ditatura que existe é a ditadura do legislativo – poder em que militou na condição de senador, por diversos mandatos.  

Levado para o Ministério da Fazenda logo após a proclamação da República, Rui Barbosa teve grande influência na redação final da Constituição de 1891.

Em 16 de novembro de 1890, subiu à tribuna do Congresso Constituinte para discursar sobre a organização das finanças republicanas, defendendo a União em face das pretensões dos estados no que diz respeito à repartição das receitas, tema que segue vivo – e problemático - até hoje.

Reconheceu a si próprio como ministro de uma ditadura, que precisava encerrar-se o quanto antes pela promulgação da Constituição republicana, e nessa toada elogiou o Congresso por concentrar-se na elaboração da Constituição, afastando qualquer temor de que pudesse legislar antes da promulgação da Lei Maior: “... só a nação é soberana, e não delega senão partes divididas, fraccionárias, compensadas de sua soberania ... se a ditadura é um mal, a ditadura de uma assembleia é um mal ainda mais grave”.

Pois lhe cairiam os bigodes da cara se testemunhasse o atual momento histórico da República que ajudou a fundar.

O Congresso Nacional capturou o orçamento, impondo ao Executivo suas emendas, parte delas sem qualquer controle ou transparência, o que vem sendo chamado de “orçamento secreto”.

Se a Câmara dos Deputados já tinha o Presidente da República na coleira do impeachment, a nova composição do Senado coloca o Supremo Tribunal Federal sob a mesma ameaça.

E, o que é ainda pior, permite que o atual mandatário, caso reeleito, volte a cogitar a ideia de aumentar a quantidade de ministros para construir uma maioria que lhe seja favorável, copiada de diversos regimes autoritários, inclusive o venezuelano, que parece ser sua maior inspiração.

Voltando à frase de Rui, o parlamento que legisla fora da Constituição impõe uma ditadura das mais graves, mas isso foi dito numa época em que não havia, ainda, a Constituição da República.

Hoje, ela existe, já em sua quarta ou quinta versão. Mas se o parlamento coloca sob seu jugo o tribunal que deveria guardar a Constituição, rompe-se a Constituição, e aquilo que conhecemos como direitos passarão a ser favores dos donos do poder, que nos poderão dar ou tirar a seu próprio arbítrio, sem que tenhamos, de fato, a quem recorrer.  

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