Frases de Rui (5): a volúvel regra da igualdade

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.

 

A frase (será?) mais famosa de Rui Barbosa não é exatamente uma criação original.

Lançada em sua “Oração aos Moços” (1921) enuncia um antigo princípio de Justiça, que já se lia em Aristóteles, há mais de trezentos anos antes de Cristo.

Observe-se, contudo, como essa regra, que melhor se classifica como um princípio, sofre, na sua aplicação, a influência do momento histórico e do contexto social.

Se no tempo do Filósofo o princípio era usado para positivar a desigualdade material (entre escravos e homens livres, por exemplo) nos dias de hoje ele dá fundamento jurídico a mecanismos destinados a eliminar, ou, pelo menos, reduzir essa desigualdade, tais como as ações afirmativas, a progressividade tributária, a Justiça Gratuita, e diversos outros instrumentos que visam assegurar, no plano material, a igualdade formal prevista na Constituição.  

No meio do caminho, serviu aos mais variados propósitos. Rui Barbosa, ao enunciá-la, falava do socialismo:

“Não há, no universo, duas coisas iguais ...

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade ... tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.

Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.

Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho”.

A maior crítica que se poderia fazer ao jurista baiano é que a desigualdade que os homens encontram ao chegar neste mundo quase nunca é natural.

O discurso também reflete uma visão simplista do socialismo, que propõe mudanças muito mais profundas do que reunir toda a riqueza da humanidade e distribuir “por cabeça”. Aliás, a ideia de que cada um deve receber “pelo que vale”, por mais metafórica que seja, não cabe mais no mundo de hoje, e contraria tanto o socialismo quanto o capitalismo.

Mas, no ponto essencial, e talvez até pelos motivos errados, é possível dizer que Rui Barbosa repete um dos pontos frequentemente levantados pelos críticos da aventura socialista naquele início de século: o socialismo desconsidera – ou subestima - a natureza humana, e sua propensão para a liberdade, a individualidade e a diferenciação.

Por mais objeções teóricas que se possam fazer a essa afirmação, é fato que execução prática do socialismo, na pernada seguinte da História, realmente esteve mais para uma organização da miséria do que para a supremacia do trabalho.

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