Frases de Rui (7): a Justiça que falha também tarda

 Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta

 

Na sua “Oração aos Moços”, escrita para os formandos de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo, Rui Barbosa, a certa altura, passa a aconselhar aqueles que escolherão a carreira da magistratura, e toca no problema da lentidão da justiça:

“... chegando as causas a contar a idade por lustros, ou décadas, em vez de anos.

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente”.

De lá para cá, a morosidade judiciária não deixou de ser um problema crônico da sociedade e da economia brasileiras, a ponto de, na reforma do Judiciário de 2004, ter se inserido na Constituição o direito fundamental à celeridade e razoável duração do processo.

A questão vai muito além da atuação dos juízes, desembargadores e ministros: é um problema estrutural em que todos temos nossa cota de responsabilidade e que causa imenso prejuízo, moral e financeiro.

Feita a ressalva, não me sinto em condições de adivinhar o que Rui Barbosa diria, se pudesse se dirigir aos futuros juízes do século XXI.

Muitos de seus conselhos permanecem atemporais: não decidir sempre a favor do Estado, ou da parte mais forte; não ceder às tentações da política ou da mercancia; não fugir ao dever de decidir, nem de corrigir-se, quando errar; não descuidar da presunção de inocência nem agravar o rigor das leis em nome da própria reputação, ou se converter “de julgador em verdugo”.   

Tudo isso tem em comum o fato de contribuir para o atraso da justiça e, nesse ponto, talvez estendesse sua crítica, dos juízes tardinheiros aos juízes teimosos

Afinal, por que decidir flagrantemente contra o entendimento dos tribunais e cortes superiores, se o destino fatal é a reforma da decisão? Por que atrasar o inevitável curso da justiça?

Ainda que exista algum resultado prático temporário, a conta final é um processo mais demorado e o estímulo ao litígio, às custas de toda a Sociedade.

É verdade que tais decisões muitas vezes vêm ao encontro dos anseios de uma parte da população, ou dos formadores de opinião, o que hoje chamamos de populismo judicial.

Mas já alertava Rui Barbosa: Não cortejeis a popularidade”.

Contra as decisões das instâncias e tribunais superiores, é nas instâncias e tribunais superiores que se luta; contra as ambiguidades e iniquidades das leis, a batalha é no parlamento.

Na guerra contra a injustiça da justiça que nunca chega, fazer das varas judiciais trincheiras contra o direito indesejado é um enorme desperdício de recursos materiais e humanos, um erro estratégico que faz prosperarem os recursos processuais.

As advertências do nosso mais famoso jurista não se aplicam apenas aos juízes singulares, e ganham relevo quando, nos tribunais, magistrados procuram subterfúgios para fazer sua posição pessoal prevalecer (ou aparecer) sobre a do colegiado, sob aplausos de uma plateia que, ao contrário do que ocorre nos teatros (ou nos circos), nem imagina o valor que está pagando pelo espetáculo.  

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