Frases de Rui (9): o poder de fato e a responsabilidade de direito

 

A reivindicação do poder importa a reivindicação da responsabilidade

 

O artigo de Rui Barbosa publicado no Diário da Bahia em 21 de maio de 1873 era, ao mesmo tempo, uma provocação aos republicanos e ao Imperador.

Dizia que a função do monarca constitucional não é nula, ou ridícula, como faziam crer os republicanos, mas também que as gestões de Pedro II para interferir nos partidos e na política enfraquecia a monarquia e colocava o País no caminho da república.

Sobre a tentação do poder pessoal, do absolutismo disfarçado de monarquia representativa, enunciava: 

“Em primeiro lugar a reivindicação do poder importa a reivindicação da responsabilidade: e, conquanto seja fácil escrever nas constituições a inviolabilidade do rei, por mais que declarem que o monarca é irresponsável e que toda a responsabilidade pertence ao gabinete, quando souber-se que o gabinete não faz nada e que o rei faz tudo, o país há de e deve atribuir os seus sofrimentos a quem exerce realmente o governo.

A responsabilidade é uma questão de fato; e embora certa classe de publicistas assevere que todo o mal há de ser imputado ao ministério e todo o bem à Coroa, o certo é que, se o rei for o autor do mal, a opinião há de atribuir o mal ao rei exclusivamente”.

Sem prejuízo à ideia original de Barbosa, pode-se acrescentar: o poder também é uma questão de fato.

A maioria das mudanças institucionais que ocorrem hoje, e ocorreram ao longo da história, são reflexos – e não causa – de movimentos de reorganização do poder.

Em outras palavras, são a formalização do poder de fato.

Ocorre que nem toda fonte desse poder informal tem a possibilidade, ou o desejo, de assumir um espaço formal de poder, ao menos não ostensivamente.

Essa condição, ou opção, confere a tais agentes uma espécie de poder irresponsável, ou, melhor explicando, a faculdade de decidir ou influenciar decisões sem se responsabilizar pelos efeitos resultantes.

Ideias como a da regulamentação do “lobby” podem dar maior transparência ao processo decisório nas várias instâncias legislativas e de governo, mas não resolvem o problema da responsabilidade, afinal, os reis podem perder o trono ou a cabeça, mas os interesses que os sustentavam não necessariamente vão embora, nem morrem com eles.

É preciso amadurecer o debate público para que se compreenda melhor o que está por trás das decisões dos chefes e do alto escalão do executivo, assim como dos membros do legislativo e até do judiciário.

Assim como Rui Barbosa alertava para os riscos do poder pessoal do Imperador, os formadores de opinião – eles próprios detentores de uma parcela do poder de fato – devem resistir à tentação de tratar com pessoalidade assuntos que, na verdade, envolvem uma complexa rede de interesses, mesmo que isso seja menos “vendável” no mercado de informação.

O momento não poderia ser mais propício.

À medida que se avizinha a aprovação de uma reforma tributária, vai aumentando o movimento de representantes dos diversos setores econômicos, plantando aqui e ali os argumentos de que o seu setor tem “particularidades”, “não pode ser comparado com outros”, “vai quebrar”, e daí por diante. Vejamos quem vai conseguir emplacar os seus objetivos e se a mídia será capaz de mostrar quem foi mesmo que marcou o “goal’.

Na questão dos juros, ficou claro que a direção do Banco Central tem hoje um poder que vai muito além da definição da política monetária. O único jeito de repelir o oportunismo governista é dar ao presidente e diretores do BC a exata medida de sua responsabilidade, afinal, de infalível já nos bastam o Papa e os planos do Cebolinha.

Para não alongar demais o texto, encerra-se com o tema das redes sociais e sua regulação. Se as Big Techs vão mesmo reivindicar o poder de decidir sozinhas o que pode e o que não pode circular nas suas plataformas, que expliquem como vão arcar com a responsabilidade que estão, portanto, reivindicando.  

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