Frases de Rui (11): estranhos liberais

 

A presunção de liberdade é a expressão de uma necessidade orgânica das relações do homem com o homem.

 

A Lei Áurea proveio de um processo que já se encontrava avançado e irreversível por ocasião de sua promulgação, há exatos 135 anos.

Diversos escravizados vinham conseguindo a liberdade na Justiça, e os magistrados que proferiam tais sentenças estavam sendo acusados de ferir o direito de propriedade e contrariar a lei, mais especificamente a Lei nº 3.270 de 1885.

Conhecida como “Lei dos Sexagenários”, tinha como objetivo “regular a extinção gradual do elemento servil” e revelava mal disfarçada preocupação em assegurar aos senhores de escravos o retorno do “investimento” que houveram feito em seus escravizados, até a última gota de suor – ou de sangue.

O tráfico estava proibido desde a Lei de 07 de novembro de 1831, por isso buscava-se na Justiça a libertação daqueles que não descendessem dos escravizados até aquela data, daí a importância de se conhecer sua filiação.

E os escravagistas se apegavam à literalidade da lei de 1885 para alegar que o desconhecimento da filiação não era suficiente para se presumir o estado de liberdade, assegurado pela lei de 1831.

Nesse contexto, em 1887, Rui Barbosa profere seu parecer acerca da questão. Com robustos fundamentos hermenêuticos, defende, entre outras coisas, que a liberdade se presume, cabendo ao opressor o ônus da prova em contrário.

Ao longo de sua argumentação, elabora o seguinte parágrafo:

Aí Barbosa amarra a presunção de liberdade a outras sem as quais o mundo civilizado realmente não funciona: a presunção de capacidade, a presunção de boa-fé, a presunção de honradez e a presunção de inocência, evidenciando sua racionalidade comum.

Trata-se de lição a ser ensinada a um estranho tipo que vem se proliferando no meio político e até na imprensa, o liberal de gogó.

O liberal de gogó faz dos princípios liberais o mesmo uso que hoje se faz dos livros que decoram as salas instagramáveis.

Conservadores, os últimos defensores da escravidão brandiam em seu favor o direito à propriedade e bradavam contra a intromissão do parlamento e da Justiça nos seus negócios privados.

Liberais, os abolicionistas de primeiro time lutavam por algo mais do que a liberdade meramente formal, insuficiente para a verdadeira emancipação do povo negro, assunto até hoje pendente, mas que, lentamente, avança. Para tristeza dos liberais de gogó. 


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